segunda-feira, 13 de agosto de 2012

O trabalhador

Levanta cedo todos os dias
Não tem ânimo, não tem fôlego
Apenas continua respirando

Grande tempo de seu dia perde esperando algo
O ônibus, a fila do banco e os dez minutos para chegar a hora de ir embora

Ganha pouco, mas o suficiente para sobreviver e sustentar seus três filhos
Um menino de 10, uma garota de 13 e um adolescente de 17
O mais novo ainda brinca de bonecos e assiste desenho animado
A do meio já está tendo relações sexuais com seu segundo parceiro
O mais velho é viciado em drogas (qualquer uma), não para em emprego

Dona Luisa, sua mulher, trabalha como faxineira
Nunca teve carteira assinada, mas já foi mandada embora quatro vezes
As patroas alegavam que "coisas" sumiam de suas casas
A mulher nunca soube explicar

Ele era honesto, talvez inocente
Nunca roubou, nunca levantou a voz, nunca bateu em ninguém
Era infeliz

Há meses não fazia sexo com sua mulher
O corpo decadente dela não o excitava
Era mútuo

Do trabalho ia para o bar
Do bar, as vezes, voltava logo para casa
Se não, ficava para jogar truco e apostava dinheiro

Certa vez perdeu 200 reais
Dona Luisa surtou
Arranjou um amante
E ele apenas fingia que não sabia
Era o dono do bar, que sempre lhe dava cachaça de graça
Ganhou fama de corno pelas redondezas
Tinha ódio, mas era incapaz de fazer algo

Um dia saiu para comprar cigarro, e nunca mais voltou

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

O lenhador

Era alto, pançudo, de braços fortes e costas largas.
Caminhava com as pernas semi-abertas e dava passos largos e pesados.
Tinha voz de trovão. Estridente e grave.
Possuía muito cabelo, muita barba e o olhos saltados.
Os lábios eram carnudos, vermelhos e sempre estavam úmidos.
Da mesma forma que chamava atenção onde quer que entrasse, assustava.

Das mulheres atraía os olhares. Muitas vezes bundas ou seios à mostra.
Ele flertava. Mas não era só isso que desejava.
Arrastava um rabo de saia por onde podia.
Dava tapa na cara. Arrancava a roupa. Metia com força.
Era selvagem.
Algumas gostavam.Outras não.
Pediam para parar. Ele não obedecia.
Ficava mais excitado.
Enforcava. Não para matar.
Mas já assassinou duas vezes. Noutra, aleijou.

Morreu sem nome.
Com um tiro na nuca.
Encontrado num beco.

Ninguém sentiu sua falta. Ninguém foi ao seu velório.
Seu corpo foi cremado. Suas cinzas, jogadas fora.



Despertar


Acordo com a luz do sol batendo em meu rosto. Tento me levantar por alguns minutos e então, os acontecimentos da noite anterior vêm à tona.

O gosto amargo do último trago, o dissabor inconstante da ressaca se faz, então, presente. Eu me pergunto: o que eu tenho que fazer agora? Então minha mente se silencia.

Caminho em direção ao banheiro, ao som da voz de cobrança em meus pensamentos: quem você se tornou? O que você precisa para continuar respirando?

Essas questões desaparecem assim que jogo água em meu rosto. Lavo a matéria física, mas não a alma.

(...)

O que alimenta uma alma?

Procurar acalento em braços alheios sob a falsa ideia de aqueles momentos poderiam se transformar em amor? Ou continuar acreditando na ilusão de que seria possível amar novamente?

Vagamente procuro, a cada toque, um meio de suprir meus desejos. Mas desejos podem ser considerados mundanos, num trajeto muito distante do sentimento.

Talvez seja culpa da promessa momentânea que já fiz a alguém, de que só é possível amar uma única vez na vida. Tais pensamentos tornaram a minha própria opinião numa prisão, construída sob uma estrutura de gelo, que apenas gela e nunca derrete.

Já amei. E no mesmo sentido que amei, sofri.

Este mesmo amor, que aconteceu entre ambos no instante da primeira troca de olhares, foi o mesmo que se evaporou com semelhante velocidade em que ternura e prazer foram substituídos por repulsa e impropriedade.

Desperto sob o pesar de que os dias de felicidade já não existem mais e apenas há uma sombra em que, ininterruptamente, me faz confundir diversão com sentimento.

Desencontro

Se fosse uma festa, poderia ser no banheiro.
Se fosse numa casa lotada, de repente, no quarto de empregada.
Se fosse na boate repleta de seguranças, iriam para um motel.
Estavam com vergonha, afinal, não havia intimidade. Mas não se importam. 
Entram no quarto e começam a se beijar de novo. Reacendem o tesão.
Arrancam as roupas imediatamente. 
Bocas, línguas e mãos percorrem por ambos os corpos, que exalam diversos odores.
Ele pega a camisinha guardada há meses na carteira.
Vê se não tem ar e coloca no pênis.
Ele reclama que o preservativo é apertado. 
Mete sem parar e sem beijar. Tenta algumas posições, mas é rápido.
Ele goza. Ela finge.
Ele vira do lado e dorme. Ela acende um cigarro.
Ele acorda 1 hora depois com o pau já duro.
Ela havia pegado no sono há poucos minutos.
Ele tenta acordá-la com beijos no pescoço, enquanto esfrega o membro em suas nádegas.
Ela, como ainda estava um pouco excitada, resolve ceder.
Começam o vaivém de novo.
Ela goza primeiro.
Ele fica meia hora metendo sem conseguir nada.
Ela começa a ficar cansada.
Ele brocha.
Ela pensa que vai poder descansar, mas ele pega sua mão e coloca lá.
Ela então entende que deve masturbá-lo.
Ele começa a ficar cansado.
Ela não sabe fazer direito.
Ele pede para que ela espere um pouco.
Ela tenta reanimá-lo e desce com a boca.
Ele gosta e começa a subir.
Não adianta, ela fica encostando o dente.
Ele brocha de novo.
Ele pede para ela esperar novamente.
Ela então dorme.
Ele a espera adormecer e vai bater uma no banheiro.
Cada um vira de um lado da cama.
Despertam com um dos celulares tocando.
Ele tem que ir trabalhar de manhã cedo.
Ela checa o seu telefone também e vê seis ligações perdidas da mãe.
São 7 horas da manhã, dá tempo para uma rapidinha.
Ela quer outra vez. Ele também.
Se excitam rapidamente, mas sem se beijar por causa do hálito.
Ele coloca a última camisinha que tinha e reclama que não gosta.
Ela concorda.
Ele tenta colocar o pênis na vagina sem proteção.
Ela manda ele tirar e fica nervosa.
Ele pede desculpas.
Ela cede.
Eles começam novamente.
Ele goza. Ela finge.
Ele pede para racharem a conta. Ela diz que não tem dinheiro.
Ele passa no cartão dos pais e pergunta se o nome do motel não aparece na fatura.
A caixa responde que não. Sem problemas.
Ele a leva até sua casa.
Não trocam nenhuma palavra.
Ele pede seu número. Ela passa errado.
Ela desce do carro, e se despede com um aceno e meio sorriso.
Ele corresponde com uma piscadela.
Ele apaga o número dela da memória e pisa no acelerador.
Ela entra em casa, caminha até o quarto, pensando no que havia feito.
Depois de duas horas, consegue dormir.

Vida noturna

Acordava com ânsia de vômito.
Ia até o banheiro para mijar, mas acabava defecando líquido.
Jogava água no rosto, mas a sensação desconfortável não passava.
Entrava embaixo do chuveiro, ficava paralisada durante meia hora.
O vapor da água a deixava tonta, corria até a privada e vomitava.
Se sentia melhor. Às vezes, voltava para cama. 
Se não, ia devorar qualquer bagulho que tivesse na geladeira. 
Prometia nunca mais beber ou usar drogas. Muitas vezes rezava.
Nunca pedia a Deus, porque não acreditava. 
Mas achava que alguém estaria ouvindo sua prece.
Passava o dia todo tentando se recompor.
Resolvia pegar o celular para ver as ligações perdidas.
Não aguentava e retornava o sms de convite para uma festa.
Trocava de roupa, passava maquiagem pesada.
Muito corretivo para cobrir as olheiras. Muito batom para parecer sexy.
Engolia um pedaço de pão para não perder a carona.
Mandava o padê para dentro das narinas, enquanto ria do papo dos amigos.
Dava uns goles na vodca barata que compraram para fazer o esquenta.
Chegava na festa e cumprimentava a todos como se fosse íntima.
Sorria até para os inimigos e abraçava os conhecidos.
Bebia tudo o que encontrava: uísque, rum, vodca, cachaça.
Ficava alegrinha e ia até a varanda pra falar com a galera do baseado.
Descolava alguns pegas. A brisa batia rápido então ria sem parar.
Encontrava o peguete da semana anterior, ou o boy novo do rolê.
Flertava. Chamava pra dançar. Beijava.
Se a pegada fosse boa, se excitava. 
Iam para um canto escuro e começavam a brincar de mãozinha.
A boca ia descendo pelo pescoço até chegar nos seios.
Sua mão ia passando da coxa dele, até chegar à virilha, até chegar ao pênis.
Ereto e pulsando. Enquanto a respiração de ambos ficava alta.
Era hora de arranjar um quarto. 

O pescador

Era o típico homem sonhador...

Acordava todos os dias com o raiar do sol.
Espreguiçava-se, sentava-se à beira da cama e dava o último bocejo do dia.
Caminhava até o banheiro enquanto cantarolava algum sertanejo.
Olhava-se no espelho, dava alguns tapinhas no rosto e depois esticava as pálpebras.
Em uma mão levava uma pílula à boca, noutra, um bocado de água da torneira.
Passava o creme dental na escova de dentes e depois esfregava-os até sangrar a gengiva.
Trocava de roupa. Sempre uma camisa pólo branca e uma calça tactel.
As roupas ficavam dobradas ao lado da cama, junto com um retrato de família.
Então caminhava até a cozinha, enquanto cantava a mesma canção.
Colocava água para esquentar num bule e pegava a manteiga na geladeira.
Com uma colher, tirava um bocado e colocava na frigideira já quente.
Se orgulhava do barulho da manteiga derretendo e saboreava o aroma que fazia.
Quebrava um ovo ali dentro, enquanto passava o pó de café na água fervente.
Tirava duas fatias de pão de forma do saco e as besuntava de maionese.
Colocava o ovo frito no meio além de algumas sobras de bacon defumado da noite passada.
Ligava a TV que ficava na cozinha, depois sentava-se à mesa para desfrutar sua refeição.
Ia até o banheiro para descarregar sua necessidade, enquanto folheava o jornal da semana anterior.
Dava descarga e se despedia de seus restos, fazendo-lhes um aceno em conjunto com um sorriso.
Atava na cintura a velha pochete em que carregava seus documentos e alguns trocados.
Caminhava até a garagem para colocar suas tralhas de pesca no porta-malas.
Verificava se todas as portas e janelas estavam trancadas, e depois partia.
Conduzia no máximo até 40 quilômetros por hora, enquanto a rádio funcionava conforme frequência.
Demorava 1 hora e meia para chegar até o rio mais próximo de sua casa.
Descarregava suas tralhas do porta-malas, enquanto se alegrava ao ouvir o barulho dos sapos.
Preparava sua isca e jogava a rede na água, enquanto reparava na beleza da natureza.
Sentava-se à beira do rio, acendia um cigarro de palha e apreciava o odor do tabaco.
Olhando para o céu, lembrava das alegrias que já teve na vida: uma esposa, e dois filhos pequenos.
Tirava uma garrafa de cachaça da sacola e dava alguns goles da bebida. Depois fazia cara feia.
Soltava algumas lágrimas e descia mais pinga pela garganta. Dava um gemido.
Ficava ali até o sol começar a se pôr. Tirava a rede da água, muitas vezes sem nenhum peixe.
Carregava suas tralhas até o carro, se sentava no volante e ligava o rádio para ouvir as notícias do dia.
Demorava 2 horas para chegar até sua casa, e, durante o trajeto, se irritava com o trânsito.
Guardava o carro na garagem, tirava as tralhas do porta-malas, e, se houvesse peixe, colocava-os no freezer.
Subia até a cozinha. Preparava um bife apenas com sal e pimenta e colocava o arroz para cozinhar.
Tomava um banho de cinco minutos, enquanto batia uma punheta pensando em alguma atriz de filme pornô.
Secava-se com a mesma toalha que não lavava há três semanas. Depois colocava uma cueca apenas.
Corria até a cozinha para ver se o arroz não havia queimado. Preparava seu prato e retirava uma cerveja da geladeira.
Ligava a TV, sentava-se à mesa e devorava sua refeição. Ficava mais de três horas no mesmo lugar.
Começava a sentir sono. Dava uma mijada no banheiro, escovava os dentes e depois deitava na cama.
Fechava os olhos e, quando não houvesse sono, ligava o abajur para ler um livro de auto-ajuda.
Não conseguia dormir, então batia outra punheta, gozava e ia até o banheiro para mijar e lavar o pênis.
Se o orgasmo fosse muito forte, dormia ali mesmo, no mesmo instante pós-gozo.
Finalmente conseguia dormir. Acordava 7 horas depois e começava tudo de novo.