terça-feira, 25 de novembro de 2014

Carta ao homem do mar

Maria Rita - Encontros e Despedidas 

Quando estávamos naquele quarto escuro, naquele ambiente tão íntimo e ao mesmo tempo tão acolhedor, eu revelei o meu desejo de te carregar comigo. E você riu, disse que para São Paulo não se mudaria, então eu sugeri que fugíssemos e você aceitou. Como eu queria que essa proposta, dita em tom de brincadeira, se concretizasse. Como eu desejaria realmente fugir ao teu lado para algum lugar nunca antes visitado por nós, ou, no mínimo, eu me imaginaria fugindo para o teu canto, de tempo ameno e com o mar aberto. Seria como se você me resgatasse da selva de pedra que me aprisiona, seria como se a liberdade que tanto almejo estivesse ao teu lado. Sinto um nó na garganta ao escrever cada uma dessas palavras e meus olhos lacrimejam, mas não despejam uma gota, porque eu sei que se eu chorar vai ser por tristeza e não é assim que eu quero encarar a nossa curta, porém bela e intensa história. Eu sei que podemos nos encontrar num futuro muito próximo, eu sei que você quer, tanto quanto eu quero, e sei ainda que você é mais maduro do que eu para não me enxergar como uma solução para a sua solidão, uma salvação para a sua depressão e talvez, seja porque você não queira se livrar do seu sossego, e eu acho bom e inclusive aprecio, afinal, já aviso de antemão: eu sou caótica, assim como o trânsito paulista e a constante correria que você tanto despreza na minha cidade, assim como o ar poluído nessa permanente atmosfera, assim como a ansiedade que afeta toda uma geração, assim como poderia ser o cenário do teu pior pesadelo. Mas eu não quero te tirar do aconchego, não, moço da pele macia e bronzeada. Eu não quero tirar a tua paz, não, moço dos olhos fundos e penetrantes. Eu não quero me tornar a principal razão da tua loucura, não, moço da voz oca e alta. Eu não quero ser a moça a que vai mudar a tua vida, simplesmente porque eu não acho que deva ser mudada, não, moço do corpo que beira a minha visão de perfeição. Porque eu não sou perfeita e eu sou tão perdida quanto qualquer jovem de minha idade. Porque eu não sei o que espero do amanhã e não tenho planos concretos para nada. Porque eu ainda nem sei o que mais me faria feliz, quanto mais fazer alguém feliz. Isso é muita responsabilidade, moço que descreve a própria vida como tranquila e "sem emoção". Eu confesso apenas que perderia toda uma eternidade se fosse para me perder em seus braços novamente, eu encararia outro quarto sem luz e sem piso para sentir-me desfalecer sobre o teu corpo, a cada vez que você me fizer transportar para outra galáxia, e eu não somente viajaria do Rio até Salvador, como desbravaria qualquer cidade para estar contigo e receber teu carinho nos meus fios de cabelo desgrenhados e banhados pelo nosso suor, enquanto acaricio a sua barba e aprecio o teu sincero e largo sorriso. Eu queria o poder de congelar o tempo naquela noite de domingo que foi totalmente nossa, sem qualquer intervenção, onde estávamos dispostos a equalizar as nossas energias, enquanto recebíamos e doávamos, um ao outro, um pouco de nossas almas, que se entrelaçaram e dançaram sob a mais frenética e intensa canção. Você me mostrou um pouco de tuas fraquezas, e eu vi o teu olhar mudar enquanto estávamos unificados, eu pude enxergar um brilho que talvez você não sentia há algum tempo. E eu fico imensamente feliz por ter sido o motivo para esta felicidade, na verdade, eu queria que ela durasse tempo suficiente para preencher o teu coração com positividade e acolher os teus pensamentos toda vez que você se deitar, mas eu não sei se vai durar muito, mas que seja suficiente enquanto dure. Talvez porque por mais positiva que eu seja, eu sou realista, e isso eu aprendi com a experiência que as minhas escolhas e atitudes me trouxeram. Eu queria poder acreditar que meus sentimentos por ti tomassem vigência, eu queria poder acordar todos os dias com o som da tua voz, bem baixinha para não me assustar, e o toque de tuas largas e firmes mãos acariciando a minha cabeça, eu queria ser quem te dá prazer a cada ereção que você tiver, e queria descobrir contigo o verdadeiro significado do verbo "amar", mas eu não posso me iludir, não mais, ainda mais em nossas condições, que nos separam por quilômetros de distância de duas vidas que não podem ser subvertidas. Embora, eu desejasse que nosso encontro ocorresse em breve, onde eu pudesse finalmente pular em teu colo e beijar os teus grossos lábios, sentir o calor do teu corpo se aquecer em contato com o meu, e me deixar ser levada por tua calorosa diligência. O desejo permanece e permanecerá enquanto houver razão, ou emoção, para que perdure. Eu não acredito que você seja substituível, assim como vi e sabia que muitos seriam, mas eu não posso esperar de ti algo impossível. Eu nunca esquecerei da imagem em que a brisa batia em teu rosto e do inebriante sorriso que se formou na tua boca quando nossos olhares se encontraram. Eu queria te salvar, homem do mar, e queria me salvar ao teu lado, esta é apenas uma vontade que será guardada, aqui, em minha alma. Obrigada.

Um comentário:

  1. Eu gosto muito da força intimista do relato ou do conto, beira ao literário, ao fictício, isso é bom. Porém, não gosto da tônica de maturidade que há na narrativa; talvez vc seja madura pra sua idade, ou vc tenha um personagem forte em vc, que te alimenta desta maturidade. Alias, eu não gosto da caracteriza pseudo madura, que algumas mulheres imprimem em seus discursos e na forma de ser.

    Falei da maturidade no tocante a mulher, porque as mulheres, culturalmente, foram tratadas como frívolas, e quando eram aceitas, no meio masculino, eram respeitadas pelo caráter maduros que estas manifestavam: sendo putas ou santas. Acho que a maturidade é um recurso por demais relativo, que se adquirem de modo empírico, e portanto, se deve manifestar de modo sútil e natural, sem forcar a barra. No seu caso, eu não posso te julgar por não te conhecer, e gosto de sua maturidade, pelo teor literário que ganha as suas narrativas.

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