sexta-feira, 20 de junho de 2014

Um cenário: São Paulo. Um sentimento: São Paulo

Era um final de sábado, de tempo nublado e céu cinza. O primeiro encontro. Ela estava no fim do bacharelado em Economia e era a primeira da sala. Ele empurrava algum curso entre ECA e FFLCH, ou talvez psicologia, quem sabe. Ela fazia o estilo coxinha, mas tinha algum pé no Rock n' Roll, enquanto ele fazia a linha neo hippie, que ouvia Caetano e usava roupas confortáveis. Eles se conheceram na noite, se beijaram e "casaram". O interesse foi mútuo e, então, marcaram um café. Caminharam pela Avenida Paulista ao passo que comentavam sobre a beleza do sol que se punha no horizonte e penetrava, feroz e belissimamente, a paisagem arquitetônica. Ela sorria enquanto, delicadamente, colocava uma mecha de cabelo atrás da orelha, para o deleite do moço que, sem parar, citava seus autores favoritos e usava metáforas para descrever as lembranças que tinham do dia em que se conheceram. "A luz do strobo que invadia os fios de cabelos dourados, enquanto ambos se derretiam ao som da soturna melodia, irradiava a sublime formosura da primeira troca de olhares. E os corpos, predestinados, se encontraram e a energia, que lhes era fecunda, atraiu à arrebatadora paixão". Eles gargalharam. 

Sentaram-se em algum café, a desejo dela, que pediu um cupcake e um cappuccino, e passou no cartão de débito o valor de 25 reais. Ele se resumiu a um expresso, pequeno. Conversa vai, conversa vem. Ele, que gosta de mencionar São Paulo com certo orgulho, perguntou à moça se ela havia nascido aqui e ela, de prontidão, respondeu: "Sim. Nascida e criada", como se oferecesse algum conforto ao questionador através de suas palavras. E ele, claro, recebeu a resposta de maneira positiva, assim como antecipou antes de lançar a questão. Eles sorriram um ao outro e passaram, cada um, a relatar sua infância, destacando a cidade como plano de fundo ou cenário principal. Ele a convidou para assistir o mais cômico filme do Woody Allen, que estava em cartaz no Reserva Cultural, mas ela teimou que o último do Lars Von Trier era mais interessante.  Entre as cenas, o tão esperado beijo sabor halls de cereja aconteceu, e ambos sentiram um arrepio na espinha dorsal que bem se sabe o que significa. Entretanto, a troca de olhares pareceu cada vez mais profunda e um segundo arrepio, dessa vez mais forte, provocou algo que se pode definir como os milésimos de segundos em que ocorre uma paixão.

Os pombinhos decidiram dar mais uma caminhada antes de partirem para o próximo programa. Já diziam os sábios que os apaixonados são os mais calados. Se não disseram, eu, a autora deste texto, digo agora. A partir desse momento, em que flerte, desejo e sentimento entram em jogo, a bola fica solta no meio de campo e marcar o gol requer um tanto de desenvoltura, se levar em conta que os apaixonados tanto ganham mais brilho nos olhos, quanto perdem a naturalidade de seus atos. E, então, silenciosos, porém, sorridentes, apreciaram a luz do luar entre as constantes trocas de saliva. No restaurante-bar, ambos começaram a reparar, inconscientemente, nas pessoas ao redor. Elas pareciam sérias, com seus cachecóis e blazers, quase não dialogavam com suas companhias, pois algo deveria ser muito mais interessante em seus smartphones. Tamanha era a frieza do ambiente, que precisaram se aproximar entre uma garfada e outra, para não perderem o calor que acabaram de descobrir. A comida não foi degustada, ensaiaram algum assunto de interesse que compartilhavam, mas o tiro saiu pela culatra. Comeram o que coube no estômago e saíram, pois seus corpos já estavam frios e o clima de inércia e apatia lhes estragara o apetite. Tentaram se aquecer ao andar abraçados, mas seus passos estavam em descompasso e a sintonia, que parecia evidente há duas horas antes, naquele momento, já dava ares de inexistência. Tropeçaram numa moradora de rua que lia Dostoiévski e se encolhia embaixo de algumas mantas, desculparam-se e lhe forneceram alguns trocados, próximo à casa da moça no bairro de Higienópolis. Deram alguns amassos, ineficazes. Ele então, sonolento e cabisbaixo, se apressou a pegar o último metrô e retornar ao pensionato próximo à faculdade.

Saíram mais algumas vezes, e, inevitavelmente, o que era doce transformou-se em um azedo lamento. Ela se formou e tentou buscar alguma emoção nesses aplicativos de encontros, mas não encontrou nem graça e decidiu partir para o intercâmbio de um ano na Austrália. Ele se jogou na noite o suficiente para lhe inspirar a escrever um ensaio, cujo nome era "A frieza da cidade", que lhe rendeu um prêmio pela veracidade de suas descrições.


quinta-feira, 5 de junho de 2014

                Toda mulher quer ser puta


toda-mulher-quer-ser-puta

Começo o texto pedindo perdão pelo título.
Aos mais céticos.
Aos mais reaças.
Aos mais hipócritas.

Toda mulher quer ser puta.

Desejada, na cama, por um homem. Chupar o saco.
Ser metida. Sentir o órgão alheio penetrando fundo, como se estourasse o útero.
Contar para as amigas que teve um sexo selvagem na noite anterior.
Falar que não apenas gozou, como teve orgasmos múltiplos.
Que é rainha na cama, deusa do sexo. Fazer fio-terra. Ficar assada.
Passar pomada. Sentir-se deliciosa. Cavalgar velozmente em busca do prazer.
Roçar o clitóris nos pelos púbicos do homem, que a observa. Cheio de tesão.
Receber proposta sincera. Marcar foda. Meter durante 24 horas. Sem parar.

Toda mulher quer ser puta.

Dar tapa na cara, gemer alto, engolir esperma. Fazer garganta profunda.
Experimentar outros membros. Sentir o gosto alheio. Sentir quente.
Ficar excitada sendo voyer. Entrar pra fuder. Fuder gostoso.
Tentar novas posições do kama sutra. Praticar sexo tântrico.
Receber massagem erótica. Usar acessórios. Dar beijo grego.
Ser chupada por outra mulher. Lamber mamilos. Levar puxão de cabelo.
Tomar tapa. Voltar com roxo para casa. Servir de escrava.

Toda mulher quer ser puta.

Ser chamada de gostosa. Ver o pau sempre duro e úmido. Receber encoxada nervosa.
Ouvir gemido. Arrepiar-se com suspiro no ouvido. Berrar até gozar, bem alto, ao além.
Sentir pele com pele. Energizar-se com o corpo alheio. Receber uma luz.
Entrar em transe. Rebolar freneticamente. Gozar no pau. Gozar na boca. Gozar.
Se excitar com pornô. Dominar. Mostrar quem manda. Levantar pau mole.
Ver o outro louco. Ser chamada de vadia. Ser jogada na cama.
Ser comida em qualquer canto. Receber piroca dura e grossa. No chão.
Na cozinha, em cima da pia. Tentar anal. Gostar do anal. Gozar com anal.

Toda mulher quer ser puta.

A maioria não assume. Não tenta. Por medo. Receio da sociedade. 
Receio do parceiro. Receio de si mesma. Medo de gostar da coisa. 
Medo de não conseguir parar. Receio de ser si mesma. Julgar. Negar. 
Odiar. Temer. Encontrar desculpas. Proferir ofensas. Não intensificar. 
Viver esperando a morte. Se entretendo. Sofrendo. Odiando. Lamentando. 
Mente para o espelho. Finge que odeia pinto. Odeia buceta.
Odeia a própria buceta. Trata como karma. Não dá carinho.
Seca com papel quando excita. Vive na agonia. Goza sozinha, em silêncio.

domingo, 1 de junho de 2014

Tanto quanto - A carta mais difícil de escrever

Sonic Youth - Kool Thing

Tem sido difícil não te desejar diariamente desde que te conheci. Desejar a sua presença, a sua companhia, o calor dos seus braços e as conversas que só com você consigo ter.
Tem sido cansativo continuar me divertindo com outros sendo que você pareceu zerar a vida e todos parecem tolos ao seu lado.
Eu tenho procurado levar a minha vida com leveza e te agradeço imensamente por ter me mostrado esse caminho. Mas, às vezes, tenho a impressão de que meu esforço em praticar o desapego tem sido em vão, porque o que eu queria era estar contigo.
Sempre digo que se apaixonar é apenas o início para uma jornada de sofrimento. E então eu tenho tentado levar esse platonismo com bom humor e encará-lo sem todo o peso de uma paixão.
Confesso que nem ao certo sei se o que sinto é paixão. Talvez não seja nem emoção. Talvez só seja o desejo de estar com alguém de alma parecida. Como se só naquele quarto eu pudesse ser compreendida.
Percebeu em quantos "talvez" existem nesse texto? E percebeu também quanto tempo eu tenho tentado escrever ou ao menos me expressar sobre você e só agora consegui e mesmo assim as palavras parecem sair engasgadas? Isso se chama cuidado, não confusão, e é uma das coisas que aprendi com você.
Sinto que somos íntimos de alguma forma. Sinto que somos cúmplices de uma vida que nos une tanto quanto nos separa.
Eu não quero ser sua namorada. Não quero ser a mulher que irá passar a sua roupa de marca. Eu apenas queria que o mundo conspirasse mais vezes para o nosso encontro. Para sentir novamente o tempo parar e notar todos os focos de luz sobre você e suas palavras, seu olhar...
É uma questão de pele, de química, de intelecto, de cumplicidade e compatibilidade.
Eu não queria te ter. Eu não queria te aprisionar. Eu não queria andar para sempre de mãos dadas com você. Eu não queria falar com você todos os dias e te ouvir reclamar sobre sua rotina. Até porque, eu percebi que, realmente, tanto com você, quanto com os outros, uma comunicação maior é inviável nesse momento. Mas com você não rolaria uma excessão? É provável. Você tem esse poder sobre mim e acho que você tem ciência disso.

Por que eu pareço, segundo os próprios, alguém super bem resolvida e interessante, e com você eu me vejo apenas como uma garota perdida que não sabe nada sobre a vida?

Aqui, dedico uma canção de uma das minhas bandas favoritas, Sonic Youth, Kool Thing. Porque a ligação que mais nos une é a música. Poderia dedicar inúmeras músicas, de dezenas de bandas preferidas, e encontraria milhares de letras que representassem um pouco de meu sentimento por você, afinal, tudo lembra você, inclusive as músicas francesas que eu não entendo a letra, mas a sonoridade é bela. Também dedico uma homenagem da minha admiração e meu respeito, tanto para as suas verdades metafóricas quanto para as cruas, e para as suas tentativas de mistificar um charme que você sabe que tem e não deveria se esforçar para transparecê-lo. Além disso, deixo também a minha sinceridade em revelar a minha pretensão praticamente leviana em escrever sobre você de forma tão resumida, excluindo seus atributos físicos, espirituais e emocionais que tanto me atraem, e sabendo que eu terei que ler e reescrever inúmeras vezes esse texto e nunca vou achar que será bom o suficiente para descrevê-lo. Eu apenas sei que não há certeza de que ele continuará a ter novos parágrafos, mas que os que puderem surgir devido ao que vier à mente, mesmo que em oposição à realidade, já serão de bom grado porque isso só mostra o quanto de bem você tem me feito, ao seu modo.

Eu sou louca e estranha - Uma carta de despedida ao menino de topete


Não querido, não te encontrei hoje porque estou disposta a satisfazer os seus desejos.
Um dos trechos da minha canção favorita do Sonic Youth diz I'll be your slave, mas isso não quer dizer que você tem esse poder sobre mim.
Não estou aqui para suprir as suas carências afetivas e nem passar a mão sobre os seus encaracolados fios de cabelo enquanto você chora e reclama das frustrações do seu dia.
Não vou ser a garota perfeita que você sonha em apresentar para a sua mãe. Muito menos aquela que irá preparar as suas refeições e lavar as suas cuecas sujas em algum futuro próximo.
Seu topete perdeu o charme no momento que você passou a criar uma imagem de mim que não é real. E você deve ter se frustrado inúmeras vezes ao perceber que, naturalmente, eu não tenho qualquer tendência em superar essas suas expectativas.
Quando te contei sensações íntimas e você me chamou de "louca" e "estranha", eu só pude perceber o quanto não temos muito para compartilhar.
Você tem noção de que está apaixonado por alguém que não existe? E que você deixou de agir naturalmente quando percebeu que, por ventura (e sorte do destino), eu poderia ser a mulher da sua vida?
Eu achei que você fosse leve. Eu aprendi a apreciar a leveza na vida e, principalmente, nas pessoas. E pode ter certeza de que são as leves que eu tenho escolhido para fazer parte dessa minha jornada.
Mas você é ingênuo. Você é um espectador. E na mesa daquele bar, quando você parecia se divertir com o que eu falava, eu me senti num monólogo, em que eu só estava ali, sendo paga (só que não), para lhe entreter. E quando eu me imagino sendo a protagonista da minha vida, não é com essa metáfora que eu quero descrever um ótimo encontro.
Quando você tentava se aproximar de qualquer maneira por não conseguir conquistar minha mão para acompanhá-lo durante toda nossa caminhada naquele dia, você me sufocou em seus braços, quando os colocou sobre os meus ombros sem perceber que nossos passos estavam em descompasso.
Sua falta de compatibilidade e compreensão com a pessoa que sou e demonstro ser é o que me fez perder o interesse na pessoa que você é e demonstra ser.
Sua ansiedade muda me esgotou. Seu olhar de desespero me espantou. Suas meias-palavras ao se referir sobre mim só demonstraram que você pensa que sabe algo, mas, sinto lhe informar, você não sabe de nada, inocente!
Você não me deixou pesada, obrigada, mas imagino que se continuarmos nessa dança - em que só você está disposto a estender a mão para uma parceira (o que eu acredito que qualquer uma sirva) - sem ritmo, nem balanço, muito menos sintonia, você poderá me tornar muito pesada, de culpa, porque é provável que eu vou lhe decepcionar.
Na verdade, você só me deixou entediada. E eu preciso de muito mais para sentir prazer em estar com alguém. Mas não se engane, não acho que você deveria ser alguém super articulado e cheio de assunto, só acho que lhe falta tato para ser alguém que me prenda a atenção.
E isso é algo que simplesmente acontece e naturalmente. Não sou a mulher que você procura e nem desejo ser.
Eu sou a Angélica, louca e estranha. Eu não estou aqui para ser a salvação da sua solidão. Eu estou aqui para ser louca e estranha do meu jeito, ao meu modo e no momento e como/com quem me fizer sentido.