terça-feira, 18 de setembro de 2018

Velho bêbado

Tem um senhor, morador de rua, que vagueia perto da minha casa todos os dias. E, diariamente, ele está bêbado. Seus passos lentos e atrapalhados, como se arrastasse os pés. Seu rosto sempre vermelho e os lábios moles que proferem algumas palavras nonsense em conjunto com pedidos de trocados para mais uma cachaça. Ele vai até o boteco da esquina, todos os dias, frequentado por alcoólatras, de várias classes, assim como ele. Seu bafo pode ser capaz de matar um leão, de tão forte, e seu cheiro misturado à cachaça, sujeira e suor se alastra pelo caminho como uma sombra que permeia um corpo esquecido pelo tempo, pelo cuidado ou por alguma razão de viver. As pessoas fingem não vê-lo, o ignoram. Sua espécie é a mais desprezada nessa sociedade. Ninguém quer ficar perto de alguém nessas condições, ninguém vê humanidade ali. É como um selvagem que em algum momento cedeu à repressão que a própria vida lhe trouxe. Não dá pra saber a história de cada velho bêbado que encontramos nas esquinas, becos e botecos sujos da cidade, ninguém liga. Ninguém quer saber. Mas é interessante se identificar de alguma forma àquela condição, mesmo que tão alheia a nós, que temos uma cama e chuveiro quente. Porque qualquer pessoa em algum momento de desespero já teve vontade de sair correndo. Encher a cara diariamente. Tacar um longo e ressoante foda-se a esse sistema que continua escravizando inocentes, que promove guerras civis, que ainda mata pobres, que nos obriga a sobreviver exaustivamente numa escalada que não tem topo. É mais fácil se identificar com um velho bêbado do que com um engravatado que dá risada alta e não sai do celular enquanto come seu insosso prato de buffet caro no horário de almoço oficial de qualquer bairro comercial da cidade. Porque as vezes esse tipo é tão desprezado e tão invejado quanto o velho bêbado (em sua pseudo-liberdade). Nossos parâmetros comparativos são por vezes tão distorcidos que é difícil encontrar humanidade em cada indivíduo. Será que por que nos falta humanidade também?

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