domingo, 19 de abril de 2020

Eu, frágil eu

Faz um ano que parei de escrever aqui. Não sei dizer porquê exatamente, mas posso chutar. Talvez porque achava que meus delírios estavam tomando outras formas, que estava direcionando-os para algo mais assertivo. Mas é um fato que, relendo alguns posts, muita coisa não mudou. Talvez, certas mudaram para a pior. Não me reconheço mais. Não sei também ao certo o porquê disso, mas sinto que me perdi de mim mesma. Seja pela rotina que foi ficando cada vez mais difícil, seja pelos machucados que continuam latejando. Seja porque me sinto muito distante do ideal emocional que criei como subterfúgio e algo a se conquistar quando me sentia mal e precisava me ancorar. Mas, a verdade é minha navegação atracou em ares estranhos após tempestades que quase me naufragaram. Quando se é mais jovem, é mais fácil comemorar a sobrevivência, como um sinal de vitória acompanhado de frases de resiliência, tipo "nada me derruba", "eu aguento", e por aí vai. Quando se está numa fase da vida em que se busca estabilidade constante, a sobrevivência é só mais um dia do calendário. E fica cada vez mais nítido que não, não aguento mais.
Somos hoje completos estranhos, tão perto, mas tão distantes. Cada um se comunicando em línguas que não se conversam, como dois surdos, ou cegos, ou mudos. Confesso que às vezes não sei como ainda estou em pé, se até meu corpo denota minha exaustão. E não há qualquer sentimento de orgulho relacionado a esta confissão. Já que sinto que a qualquer momento vou adoecer, como uma sombra que paira sob um lago já sem peixes trazendo à tona o presságio da escuridão. Gosto de pensar que algo muito simples, como assistir Vikings, estava me dando alguma inspiração. Mesmo sabendo que minha sugestão poderia não agradá-lo, afinal, como se identificar com esses brancos safados que queriam colonizar o mundo? Apesar de que outros brancos safados colonizaram o mundo e assim que o mundo é, uma grande briga por quem coloniza mais enquanto outros morrem de fome. Ao começar a ver a série notei algo interessante nesses vikings, que é a ausência do medo perante à morte. Enquanto fomos criados num mundo de tradição cristão, em que o temer é constante, seja de deus ou do homem, é realmente acalantador. Gostaria de encarar este momento que todos vivemos dessa forma, mas a real é que temo, temo muito a doença e a morte, especialmente daqueles que jurei cuidar. E você, é um deles. Tenho falhado, talvez, nunca tenha cuidado de verdade, como você mesmo disse. Mas, lembro bem, de vários momentos que você nunca deixou ser cuidado de fato. E que é muito difícil cuidar de alguém que não valoriza isso. Fiquei relapsa, amargurada, como você mesmo disse. Fiquei o pior que eu mesma poderia me imaginar. Eu tendo a me culpar por isso, como se fosse um carma que carrego de saber que nunca vou ser amada, mesmo você me dizendo o contrário. E diz que o culpo. Fico pensando que não somos tão diferentes do cristãos tementes e hipócritas, seja do século VII, seja de agora. Confesso que tenho te tratado de uma forma que eu jamais gostaria de ser tratada, mas ainda assim, sou eu tentando me defender. Porque sinto que isso é uma constante, que se eu não me defender, vou cair de vez e vou me tornar de vez algo que nunca desejei e me nego de todas as formas possíveis a aderir: a submissão. Pra você pode ser exagero, histeria, afinal, já se perguntou quantas vezes você chamou ou consentiu uma mulher de histérica? Será que minhas inseguranças não têm um fruto real a não ser o mundo imaginário e perdido da minha mente? Será que minhas reclamações são tão distantes da realidade assim? Será que eu não mereço ser bem cuidada e que assim também vou voltar a cuidar? São tantas questões que não cabem mais aqui.
Tenho uma ferida na minha mão, que está ardendo e sensível ao toque. Sinto meu coração da mesma forma. E assim como qualquer aproximação faz a ferida doer e repelir o que lhe é estranho, sinto que meu condicionamento é este. Não posso dar o braço a torcer, porque você vai fazer de novo. E não há nada neste mundo, nenhum cosmético ou medicamento, que vai limpar sua visão. Assim como tendo a desconfiar, você tende a me desacreditar. E não há mundo possível para dois humanos assim viverem em conjunto.
Penso que o que une as pessoas é o sentimento de coletividade e de reciprocidade, e isso envolve diálogo, sincero e aberto, envolve querer fazer as coisas fluírem. Envolve se doar. E sinto que perdemos, ou talvez nunca tivemos concretamente por muito tempo, isso. Nossos sonhos se desencontraram, nossos abraços perderam o efeito reparador, porque a fala verborrágica, contraditória e errática soa mais alta. Os sorrisos selaram-se em amargor de lábios rachados. A voz nem soa mais como próxima à música. Assim como nossos corpos permanecem frios e nossas vontades desconexas. Tento entender onde errei e vou continuar tentando, não sob a exaustiva tentativa de racionalizar tudo, mas sob o espectro de que preciso melhorar. Mas não vou, nunca mais, ficar me culpando por um fim inevitável e cravado por duas pessoas.
É preciso saber a hora de ir embora, ainda mais quando a hora de se calar paralisou os ponteiros. Não acredito num futuro promissor para nós. Não posso me iludir mais, porque preciso ter os pés nos chãos e focar na luta diária que me é imposta. Gostaria que fosse diferente, mas ai eu estaria me iludindo novamente. A realidade agora é dura, feia, isoladora e as chances de liberdade parecem distantes. Mas, isso tudo me faz pensar no que é liberdade? Mais vale estar confinado num lar repleto de amor ou solto nas ruas esvaziadas pelas nossas escolhas de vida?
Me sinto pequena e sozinha. E se meu barco precisa navegar, que seja para ilhas mais afáveis ou para permanecer e criar raízes. Com você, ou não.

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